# 8 – Algo sobre cheiros, Parasita e 40 frases para escrever (qualquer coisa)
17 de julho de 2021, São Paulo.
Oie!
Tá bem? Tá passaaada/o?
Aqui os dias passam, a COVID dizima humanos e futuro, os livros se empoleiram na estante (se empoeiram também), a vida segue como tem que seguir, por meio da distância. E quem disse que ela pararia? Não, ela segue seu curso sem perguntar muito o que achamos ou o que queremos dela. É assim.
Aqui vão comentários sobre o que tem passado do lado de cá, das coisas com as quais tenho lidado, visto ou sentido ultimamente, sem muita ordem, já que nada tem que ter um ordenamento homogêneo.
Desde o nosso último “papo” por aqui, várias coisas aconteceram, mas se foram. Deixadas de lado ou não amadureceram muito bem. Ficaram em algum lugar e podem ou não fluir na medida em que escrevo.
Porque entendo o surgimento de um texto como o preenchimento de alguma falta, mais do que libertar alguma ideia. Talvez sejam as duas coisas...
O texto também nasce do fato de que não é preciso ter ideias para redigi-lo, já que as ideias encontram com você no ato de escrever. É um caminho louco e cheio de surpresa.
Deixo aqui mais algumas palavras que saíram deste trapézio e passaram para o dispositivo da modernidade para chegar até você.
Bora?
Bora!
🦋
EU CHEIRO LIVROS
Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas
lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados...
Gabriel García Márquez
Li uma matéria da The New Yorker sobre cheiros sobre como a linguagem pode capturar o mundo dos cheiros, se isso é possível.
Sabe-se que o olfato é, talvez, o mais misterioso dos sentidos, mais do que a audição e a visão, por exemplo e que, talvez por isso, se transforma em um poderoso recurso linguístico.
Fui até a estante resgatar a sensação da leitura de Os tais caquinhos, livro da Natércia Pontes (Companhia das Letras, 2021) e que foi uma das minhas melhores experiências de leitura do ano até então.
Escrevi sobre o livro no meu Instagram, em aspectos gerais, sobre o que fala a obra e mais algumas ideias, mas, fazendo link com essa matéria pensei, sobretudo, a respeito do olfato de uma forma mais detida e curiosa, retomando o que li na obra da Natércia.
Começo pensando no quão sinestésico é o livro, o quanto se pode sentir junto com os personagens e aqui me refiro às sensações da ordem dos sentidos (me debruço sobre o olfato especificamente) e psicológicas ou subjetivas decorrentes delas. Trata-se de um traço do sentido, que está diretamente ligado ao campo das emoções e das memórias, lado a lado com o cérebro.
Quando, por exemplo, Abigail, a narradora, diz “...dormia enrolada num lençol fino e cheirando a sebo...”, ou “... uniformes embolados no monte de roupas sujas...”, esses trechos remetem a alguma lembrança da narradora, às suas memórias, caracterizando a atmosfera da cena, compondo a narrativa e nos direcionando à atmosfera em que nos metemos.
Aliás, é bem interessante notar que em algumas obras, o realismo nos consola, com cenas e mais cenas descritivas e infindáveis e que, às vezes, dão pouca atenção à experiência dos sentidos dos personagens. Claro, isso fica a critério do autor e sua escola literária, mas o ponto em que quero chegar é que alguns adjetivos e ambientações que os cheiros proporcionam compõem mais e, quem sabe, melhor a cena do que inúmeros parágrafos ditos “reais”.
Em “... o cheiro doce de barata...”, é fantástico como a autora chega em um efeito perturbador, dado que não há como saber qual o cheiro de barata, muito mais lhe atribuir docilidade, ou pelo menos é bem incomum. Assim, Natércia chega em um recurso, no mínimo maravilhoso, (ou de enojar, a depender de sua leitura) do trecho, nomeando algo que não se conhece. Fora o jogo de palavras, né: barata-doce ♥...
Outro elemento interessante que se refere aos cheiros e que é encontrado no livro é a possibilidade de existência vital que os cheiros oferecem aos seres humanos. É a partir dos cheiros humanos e relações com as coisas que cheiram que é sentida a materialidade daquela família. É através dos cheiros e odores que a narrativa lança à luz a vida que insiste em ser apagada naquela relação estranha, quase mórbida dos personagens. Se no livro, Natércia nos apresenta situações como as citadas acima e mais: “farrapos ensebados", “parede encardida”, “copo com cheiro de pano sujo”, “espírito que cheirava a enxofre”, também nos amplia a ideia de que a vida acontece, mesmo em meio ao caos.
Natércia descreve por meio das personagens da história as sensações e sentimentos que Abigail, Berta e Lúcio têm na relação que se desenrola. Como já citei acima, os odores dizem muito sobre eles e suas vidas e, mesmo que tais elementos apareçam na história retomando o passado, ou seja, discorrem por meio de ações lembradas, já ocorridas, tais fatos se manifestam no momento presente, rememorando o sentimento dos personagens em relação aos fatos de agora. Portanto, é preciso de um “hoje” para que haja um “ontem” no mundo dos odores.
Cheirar é lembrar no agora.
E hoje em dia, pensando no que a matéria diz – o mundo do COVID, o mundo das máscaras, quase uma morte aos “cheiros” e da própria respiração, numa agonia sem fim –, já não se sente mais o cheiro de um prato na rua, um perfume bom, de alguém. Os cheiros se mascararam, em diversos sentidos, não é mesmo? E o mais grave/triste: algumas pessoas perderam permanentemente o acesso aos cheiros em decorrência da doença.
Assim acontece com os personagens no livro, sem spoiler, mas essa coisa dos cheiros cessa no final. Talvez o elo deles, talvez o que os mantinha vivos.
Tentando pensar em algo que se relacione com o texto acima, lembrei que assisti (mais uma vez) ao filme Parasita, passou esses dias na tv.
As cenas que mais chocam, para mim, são aquelas em que a família rica discorre sobre os cheiros estranhos, ou quando o filho deles diz: “eles têm o mesmo cheiro, eles têm o mesmo cheiro” - o cheiro das pessoas pobres, que o menino percebe com inocência, mas os pais sabem bem o que é.
O único “problema” da família pobre que engana a família rica. Serem podres. De resto, são perfeitos. (contém ironia)
O filme aborda a divisão das classes e desigualdades entre ricos e pobres, já bastante discutido à época do lançamento, mas sem querer dizer o que deve ser feito para que a desigualdade, de fato, acabe. Não é essa a questão do filme.
Mas as cenas são muito representativas.
DA SÉRIE ALGUMAS PALAVRAS VALEM MAIS DO QUE UMA IMAGEM
O desgovernante Bolsonaro vinha se queixando há dias de dores abdominais e soluços persistentes, por isso foi internado ontem, em São Paulo. Segue por lá.
(Aqui não quis colocar sua foto na maca do hospital, imagem absurda e sem necessidade alguma. Assim, prefiro deixar a opinião do Thiago Amparo na Folha de São Paulo, edição da quinta-feira, 15 de julho)
Hoje quem conta é o Folhetim, experimento literário do Sesc Pompeia que convida escritores a criarem narrativas inéditas.
Deixo aqui um trecho do primeiro de uma série de 6 episódios de um conto do Daniel Galera, um dos escritores brasileiros contemporâneos que mais admiro.
Uma novelinha, beem legal!
Quero contar pra vocês uma coisa que me aconteceu.
Começou com uma menina que foi batizada de Justine. Ela nasceu com oito meses, de parto vaginal, de uma mãe que estava inconsciente em um leito de tratamento intensivo, recebendo ventilação mecânica, com pulmões e vasos sanguíneos comprometidos. O pai, num primeiro momento, foi impedido de ver a recém-nascida, e nunca mais viu a companheira, que faleceu horas depois de dar à luz.
Na sala de tratamento intensivo neonatal, a pediatra examinava com espanto a bebê. Como uma larva de peixe, ela era translúcida. Dava para entrever seus globos oculares por trás das pálpebras. Seus órgãos diminutos acenavam através da pele com variedade de cores e texturas, empenhados em atividade visível ou invisível, compactados no molde do corpinho bem formado.
A menina reagiu bem na incubadora. Em poucos dias a pediatra concluiu que a insólita característica epidérmica era a única anormalidade física de Justine. Ela respirava, pulsava, ganhava peso. Apesar de transparente e úmida, sua pele parecia mais resistente que a de um bebê comum.
(continua aqui)
📝
Um dos motivos pelos quais fiquei um tempo sem mandar as edições da cartinha foi o fato de não conseguir achar um “start” para escrever. Algo bloqueou e é assim mesmo.
Sabe o que me deu um estalo? Essas dicas aqui: 40 frases para escrever (qualquer coisa) e para pensar também ;)
Aqui algumas:
23. A boa notícia é que você pode escrever o que quiser. Essa também é a má notícia.
37. Você pode escrever sobre o que aconteceu, mas é mais interessante escrever sobre o impacto do que aconteceu.
2. Elimine 20% das palavras que você escreveu para tornar seu rascunho 100% melhor.
📧
Um papo bacana do Alexandre Matias com o Thiago Ney, criador da newsletter de cultura mais legal dessas bandas, falo da Margem.
Uma das coisas que falaram na entrevista foi a questão da cobrança feita para os assinantes das news e também como definir um tipo de “tema” para os boletins eletrônicos, o que pode ajudar a ganhar mais assinantes. Era o papo que eu queria ouvir!
📓
Falando em escrita, sonho de vida é ser tão organizada nos resumos quanto a Isabella, do Livrisa ♥
🖼
Um site todo dedicado ao trabalho – muito FODA – da Laerte, cartunista e chargista brasileira excepcional-maravilhosa! Eu amo!
🥗
Gosto muito de salada, né? Comecei a seguir a Cafira, cozinheira do Fitó porque gosto das cores e das receitas que ela faz. Aqui, de uma salada de espinafre que nnhhaaaacccc!
🗺
Você está em Nova Deli ou São Paulo, andando a pé ou de carro, ouvindo a rádio local, de dia ou de noite. Viaje remotamente!!
Único sossego em quase 2 anos!
Ei, gostou do que leu? Sim? Não? Mais ou menos?
Fala comigo, respondendo este e-mail, aqui ou aqui
Compartilha a newsletter com seus parças, aqui
Edições anteriores, aqui.
A gente se lê por aí. Continue com as medidas contra essa doença louca!
Um beijo e um abraço,
Fer
🐙
Urso branco cafungando, aaaahhhhhhhhhhhh