# 7 - Uma ode à Literatura, os "inícios" e cadê meu coração?
15 de maio, São Paulo.
Oi!
Como você está? Assim, sei lá, seguindo ou tentando (se) transformar (em) algo que você nem mesmo sabe?
Abro esta cartinha hoje com alguma reflexão sobre isso porque, por muitas vezes, não me questiono sobre o que gostaria de ser, onde gostaria de estar ou fazendo o quê. Com você é assim? Não paro para pensar, ultimamente, em caminhos possíveis para mim, coisas das quais me importava antes e que agora quase não fazem tanta diferença. Muitas vezes, sigo caminhando para algo que não me motiva, mas que me move de certa maneira, pelo menos.
Será que isso já que vale?
Acredito que as pessoas vivam isso que estou dizendo, mas nem se atentam a respeito pelo trajeto natural da vida...
O caminho é que é o barato.
Mais uma vez, e pela segunda vez, “pulei” um envio da cartinha para você (o último envio foi em 15/04), pelo motivo de: não soube o que escrever. Sério. Sem vergonha alguma de dizer isso, pois isso acontece. Bloqueios. As palavras fogem, tomam outro rumo. E, quando isso acontecer com você, respeite. Você não precisa dizer tudo a todo instante. Silencie.
Na verdade verdadeira, as ideias sempre estiveram aqui, o que me faltou foi caneta e disposição. E estava de férias também, fato que me fez não querer comprometimento algum, com coisa alguma, entende? Não me puna não lendo até o fim esta edição. Seria rude, poxa. :(
Então fique aqui, tenho quase certeza de que irá pensar em algo ao ler a edição de hoje, vai descobrir algo que não conhecia, contestar com algum “nossa”, ou irá descobrir que piro em algo que você também pira. Assim são as conexões, as interações. Elas ocorrem, basta observar!
Vem comigo?
🐾
Forrest Gump correndo pela estrada
Um texto sempre dorme com outro texto ou ode à Literatura
Algumas coisas passam pela cabeça quando penso nos meus inícios literários:
Dos primeiros contatos com livros: Sir. Machado de Assis, da biblioteca do prédio em que moro, lá pelos 15; pego um Dom Casmurro velho, quiçá o melhor já escrito, uma paixão instantânea. Foi um desafio do qual não compreendi à época, do qual jamais esqueço, do qual sempre retomo.
Meu pai me dizendo “um dia montaremos um sebo juntos”. Das memórias mais importantes para mim.
Já na faculdade, um professor me disse que leitura, sobretudo a leitura de textos literários, deve ser uma tarefa de prazer (maravilhamento, encanto, deleite, descoberta) e também de sofrimento (persistência, frustração, abandono, silêncio, retorno) e que identificar esses níveis é elementar para a apreensão, para o significado. Sigo debruçada neste pensamento a cada livro novo.
Quando li A terceira margem do rio, conto do melhor Guimarães Rosa, do qual ainda me sinto sequestrada, bem como de um trabalho que fiz na graduação sobre os momentos epifânicos, tão deslumbrantes, dos livros da Clarice Lispector.
>> Leio Literatura como uma porta que abre caminhos possíveis, inverossímeis por vezes, uma janela para o outro lado, um escape, um lugar adiante. Ler Literatura me permite o sobrevoo, acima, sob, alheia e atenta, adiante, no alto, pairando sobre o irreal, buscando novas realidades aqui embaixo, tentando encaixar lé com cré. São viagens lisérgicas para um mundo constantemente corrompido, um mundo que ninguém pode. É mais que encanto, é encontro com inesperado, é forma de organizar a vida, já que a existência não dá conta. É criar algum sentido diante das coisas do mundo, evidenciar sociedades errantes, grandiosas, enaltecer culturas, explorar o desenvolvimento dos homens, dar algum nome pro fim ou dar de cara com algo que foge. É de encontrar caminhos entrecruzados, movidos a pegadas sobrepostas, que se faz um texto literário, que não se encerra em si nunca. Um texto sempre dorme com outro texto e com outro leitor. <<
São como pistas que vão se agrupando, peças de um quebra-cabeça, alguma semelhança com a estranheza de Dalí, com os mistérios de Macondo, com as bruxas no começo de Macabeth. Não precisa entender sempre ao pé da letra, basta sentir, relacionar. Os efeitos de um texto, seus encaixes e armadilhas são joguetes nas mãos de seus autores, joguetes em que sou, leitora-presa, derrotada, admitindo o W.O... Em algumas exceções, dou algum nome ao que não tem. É o texto que me decifra, esta é sua função.
Um texto literário também é injusto. Vai embora e volta outro - porque nós mesmos já somos outros no avançar da hora. Entra e saí abrindo buracos e deixando suas próprias ânsias. Não se importa se, ao atravessar, altera tudo aqui dentro. E faz tudo isso em silêncio, impassível, explodindo. Exigente que só, apela para a competência e a habilidade, requer uma conversa, com grifos e post its e notas, com direito a after, quer extrapolar a lombada, quer afetar. É um leonino. É o que ele quer, não o que quero com ele.
Ler Literatura tem um gosto diferente. Há demasiado conforto, afago, chamego, comoção, de lenta apreciação. Mas há estranhamento, tiro, porrada & bomba, hesitação, assombros, até nojo, asco. Tudo é movediço na Literatura, tudo vai e tudo volta, divino e maravilhoso. Ler dá gosto à vida!
Bem que poderia vir com uma bula, que seria algo como:
Este texto contém riqueza, dificuldades, persistência e maravilhamento, podendo influenciar quem o toma verdadeiramente como tarefa transformadora; eventuais efeitos adversos são: esperança, confusão, deslumbre, encantamento, interação, experiência, prazer, emoção; ao persistirem os sintomas, procure a biblioteca pública mais próxima e leia mais.
Pensando aqui em como leio o que leio. Tento, ao máximo, ler com atenção, de preferência em silêncio (música não rola pra mim), grifando, procurando vocabulário, relendo. Tento depreender o máximo de informações possíveis de um texto, seja ele literário ou não.
Para ter uma melhor compreensão disso, comecei a ler o Como ler literatura (L&PM, 2019), do inglês Terry Eagleton. Trata-se de um livro introdutório sobre questões de análise e crítica literária, que dão bastante conta dos conceitos importantes sobre a forma como lemos o que lemos. Para isso, o autor recorre aos grandes nomes da literatura universal (Shakespeare, Austen, Orwell, entre outros), extraindo diversos trechos de romances, poesia, teatro, prosa, analisando-os. Com mais qualidade, teoria e repertório, a apreensão de um livro se intensifica e vai se aprimorando.
Como uma das lições do livro, destaco o primeiro capítulo, “inícios”, momento em que o autor de um texto tende a atrair a atenção, capturar a expectativa do leitor. Então ele preparará uma cena inicial. Muitas vezes ele recorrerá às noções prévias e referências do leitor. Todavia, autor poderá utilizar técnicas, imagens, simbolismos presentes na forma daquele texto, aspectos micro da análise literária que podem ser capturados logo no começo da obra.
Quando você estiver lendo, preste atenção aos aspectos semânticos, texturas sonoras, atitudes emocionais do narrador, paradoxos, contradições, discrepâncias, implicações tácitas, ambiguidades, relações sintáticas e gramaticais e o tom neste texto. Tais estratégias de composição em um texto acentuam a sensibilidade à linguagem.
Estes elementos de análise podem ser transportados também para os aspectos macro de um texto literário (enredo, personagem, narrativa...), mas falo sobre isso em outra ocasião.
Dia 4 de maio do presente ano, aos 42 anos, morre o ator Paulo Gustavo, vítima das complicações de Covid-19. O ator deixa marido (à direita na foto) e dois filhos. Sua morte soma-se as mais de 430 mil mortes no Brasil hoje.
Quem conta desta vez é a Karina Buhr, cantora, artista maravilhosa.
Adorei a coluna dela, “geralmente”, na Revista Continente, produzida em Pernambuco e que fala sobre jornalismo cultural.
“Não tem condições, religiões, ressignificações que remediem na medida do necessário. Acordo e durmo, torpor relativo. Aguardo, protegida de algumas coisas, outras corroem o meio, ateio o fogo, unção extrema, poema desligado, descarecido. Armaram um plano, a personagem que deu vestiu a camisa, deslizou desesperançada, sem força, nem sentido, só um pedaço de pão doce ganhado na esquina, creme e goiabada na última mordida, se revestiu de ausência, pra aguentar o tranco, o barranco, a valentia alheia. Quase sem sentir, me junto na descida feroz, skate macabro, o samboco do joelho, esperneio, sinto a brisa, respiro com dificuldade. Para o frio arrumei sopa, dor e cobertor. Persisto. O caminhão do lixo é meu despertador.”
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Fiquei comovida com a série Onde Está Meu Coração, transmitida pelo streaming Globoplay. A série aborda, com muita sensibilidade, a vida de uma dependente de crack, uma das drogas mais viciantes e mais agressivas.
Sim, talvez um tema pouco óbvio, já que há um Dr. House maravilhoso viciado em Vicodin, que explorou bem o esquema médico-que-torna-se-viciado-em-alguma-droga. No entanto, a história convence a respeito da falta de acolhimento, de afeto e empatia, que podem levar qualquer pessoa à ruína, seja homem, mulher, rico ou pobre. E deixa uma mensagem de ajuda: partilhar pode ser um caminho de cura.
Algumas coisas me deixaram um pouco confusa. Claro, o roteiro gira em torno da Amanda (Letícia Colin estupenda!) e seu problema com o vício, mas há diversos pequenos roteiros que se desdobram, confundindo um pouco quem assiste...
No mais, veja, pois vale muito a fotografia, diversos planos dramáticos, figurino, a trilha sonora impecável e a própria atuação da Leticia, da Mariana Lima, a mãe e, sobretudo, do Fábio Assunção, perfeitos ♥
Esta newsletter adverte: dependência de droga não é uma questão de polícia. É uma questão de médica.
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Um perfil no Twitter me fascina: literatura e arte!
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Um perfil maravilhoso de plantas do IG!
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24 Frames de Literatura é um projeto de extensão dos alunos da Universidade Federal de Pelotas, em que são abordados diversos conceitos, questionamentos, análises e proposições teóricas no campo da Literatura Comparada sobre a relação entre texto literário e o cinema, num formato bem aberto, despretensioso. Pelo que vi, existe desde 2012, como projeto de extensão dos alunos.
O nome do projeto é massa: 24 frames é o padrão cinematográfico mais utilizado (fps) e os filmes de que fala o projeto são obras literárias adaptadas para o cinema, o que, claro, gera uma nova percepção, um outro olhar para a arte. Afinal, quem é o criador, o autor da obra ou o diretor do filme? Ou, quais impressões do filme Lolita podem influenciar negativamente o Lolita livro? Ou ainda: a ideia em torno da traição da Capitu, no romance Dom Casmurro não foi perpetuada por análises de críticos da obra, o senso comum e própria época em que o livro foi escrito?
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Um teste online da Adobe, o Criative Types para descobrir que tipo de criativo é você. O mais legal nem é o teste, mas os vídeos em stop-motion depois de cada resposta sua. Curti. O meu foi o aventureiro... Faz o seu e me fala?
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Cara, nem vou mais com a cara da Dani Noce, empresária e “influencer de nem sei mais o quê”. Gostava de quando ela fazia altos bolos! Hoje ela quer ser e vender tanta coisa para as pessoas, sem contextualizar que o mundo dela é outro. MAS, adoro este vídeo dela em ASMR (resposta meridional sensorial autônoma) para um delicioso poke vegetariano. Eu que amooo umas crocâncias...
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Outa dica, agora de um podcast. ABFP são as siglas de Álvaro & Barcinski & Forasta & Paulão, uns tiozinhos chatos pra kct, que não curtem o Caetano (que heresia!), falam mal de várias coisas, mas me tiram umas risadas vez ou outra e manjam muuuito de música. Podcast de música, cultura, dicas, shows, entrevista e “causos”!
A cada programa, um tema: “o que vai tocar no nosso enterro?”, “aqui só tem brega”, “pandemia hits” e por aí vai. Destaco aqui os excelentes episódios “tributo a José Mojica Marins”, o Zé do Caixão ♥ e, mais recente,“1991: o melhor ano do rock” (que, de fato, foi o melhor ano do rock!)
Clica aí!
~ Foto de uma planta que não sei o nome. Se você souber, me fala? ~
(como a natureza é foda)
🪁
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Com carinho,
🦚
Fer
Valeu, Sandra, e valeu você que leu até aqui!