# 2 - A trajetória de Orwell, um desabafo online e conversas sobre escrita
3 de fevereiro. São Paulo.
(era pra eu ter enviado dia 30/1, mas não deu, desculpe!)
Oi!
Um bom dia, tarde ou noite pra você e que bom ainda continuar comigo aqui, nesse mundinho fechado!
A recepção da cartinha foi um sucesso, de público e crítica! rs
Brincando aqui, mas a real é que me surpreendeu bastante como foi recebida. Me deixou com mais vontade de escrever sobre as coisas que atravessam meus dias.
Quero deixar meu agradecimento pelas respostas e comentários. Fiquei imensamente feliz com o retorno!
Tom Hanks te agradece e eu também
Pensei... tá, mas e agora, o que escrever?
Me vi num numa espécie de “limbo” dias atrás, num lugar de estranhamento e confusão. Me vi naquela zona cinzenta, pensando que o que eu penso em dizer já foi massivamente dito ou postado, em diversas plataformas e com os filtros mais bizarros.
Hoje, não ter o que falar parece ser uma espécie de sacrilégio, uma total falta de personalidade, um indício de alienamento. Todo e qualquer acontecimento deve ser objeto de uma falsa reflexão, causando histeria, que gera audiência, a mais cobiçada das mercadorias e por aí vai. Da opinião online, nenhuma ação propriamente dita!
>> Nunca antes na história desse ciberespaço, a versão de si na rede, através de avatares e telinhas de diversos tamanhos, demonstrar a opinião ou apenas aparecer por meio disso ou daquilo foi sinônimo de espetáculo como agora. Ter sempre algo legal – ou infame – para falar, no mundo online, é a hipervisibilidade necessária para que a versão de nós mesmos seja convincente, como uma performance que nunca precisa acabar! <<
É tudo performance!
(brisa número 1)
Bem... e eu não quero dizer. Eu não tenho nada para dizer. Sério! Eu não tenho envergadura, capacitação, preparo para tal feito. Eu não tenho muita relevância – e nem a quero – e mesmo assim já me encontro rastreável por aí. Eu prefiro a insignificância, um caminho não tão convencional, o caminho do meio, a imprevisibilidade, a inconsistência e a aleatoriedade.
Contudo, cada vez mais, como exercício ou imposição, procuro um lugar em que meu texto possa repousar, encontrar-se em sua essência, ser quem ele se destina a ser. Eu procuro quem possa lê-lo. Esta é a busca.
Não tenho um lugar ainda, mas estou à procura dele, sempre, através destas cartinhas, quem sabe?
ps: pode ser que a carta tenha ficado longa demais (hehehe) e deve cortar o final. clique em “exibir toda a mensagem” no seu e-mail;
mais um ps: não coloque a cartinha na pasta obscura do spam, pode ser? :)
ALGUMA REFLEXÃO SOBRE TUDO
Caí num texto do George Orwell, de 1946, o Por que escrevo.
Interessante como nossas buscas vão moldando quem nós somos, nossas dúvidas vão se expandindo, né?
(brisa número 2)
Orwell diz que as aspirações iniciais de um escritor o acompanharão no decorrer da sua jornada e que se perdê-las, o escritor terá perdido o impulso da escrita.
Pensando aqui sobre o ato de escrever, comecei a destrinchar esse texto com aquele método que se aprende na escola – eu pelo menos aprendi assim – de extrair as palavras chaves e ideias principais.
A partir destes excertos, tracei alguns "conselhos de escrita”.
(eta, transformei o texto do George Orwell em conselhos!!!)
Vamos lá:
“fazer histórias e manter conversas com pessoas imaginárias”: Quem já não se pegou falando sozinho/a com “alguém” com uma identidade, com um nome próprio. Considero essencial quando estamos criando, seja lá o que for, colocar esse algo em face de um interlocutor. Gosto muito da ideia, sem achá-la ridícula ou infantil demais.
“ter ambições literárias”: Como Orwell expôs, essas ambições se “misturavam com o sentimento de estar isolado e subestimado, somados à facilidade de passar por situações difíceis”. Mas, é a partir desta busca pela palavra, num desejo de se encontrar no texto do outro, na atemporalidade que os livros podem nos trazer, neste trato com a linguagem, que florescem estas e novas ambições, não apenas literárias, criando um novo modo de operar no mundo.
“criar mundo privado”: Sim, aquele local que poucas pessoas podem acessar, um local secreto, subterrâneo, de encaixe e desordem que é a cabeça de quem escreve. Aquele local com um canto pro texto relaxar, adormecer e voltar outro – ou nem voltar. E que se este lugar está uma bagunça, ele está como deve estar.
“escrever um plágio do poema de Blake”: Ao escrever, muitas vezes as referências e ideias são influenciadas por algum material com o qual tivemos certo tipo de interação, tal ponto que nos permite não nos reconhecer, mas apenas esse outro, em determinada escolha lexical que não é suficientemente nossa, por exemplo. Isso acontece com frequência. Reconhecer as limitações e ir além das referências para buscar o próprio estilo é um exercício importante, suponho.
“tentar por duas vezes, escrever um conto: Todo e qualquer assuntos bastam para tentarmos escrever alguma coisa. Basta uma fagulha, um insight, um post (já que estamos nesse local), algum instante para nos aventurarmos. Penso que o importante é sair se arriscando, esboçar, apagar, voltar, preencher, trocar palavras, parágrafos, enfim, adentrar no mundo da escrita de cabeça, seja para que lado for.
“escrever uma ‘história’ contínua acerca de mim”: Orwell assume como um "treino literário” a produção de uma espécie de diário, algo que enxergo como um meio interessante de começar a escrever. Os jovens e adolescentes, segundo Orwell, têm esta facilidade, podem se imaginar nas mais altas fantasias, alçando os voos mais inverossímeis... que bom seria conseguir acessar este lugar da fantasia.
“sentir o gosto pelas palavras simples”: Orwell ressalta que os sons e as associações de palavras lhe causaram arrepios. Desta forma, percebo que o processo de escrita vai muito além de narrar ou descrever algo, utilizando um código pura e simplesmente, mas se presta à tarefa de tecer uma trama que seja, ao mesmo tempo, uma potente imagem, que se aproprie dos recursos estilísticos disponíveis, que chegue até o outro lado levando algo transformador, que possa modificar o entorno de alguém.
Agora, porém, fiquemos com a parte funda da piscina, a parte do texto em que o autor nos deixa mais algumas considerações. São os quatro grandes motivos para escrever, que podem ter graus e proporções, se conflitarem e variarem de pessoa para pessoa, na medida em que o tempo passa:
(aqui transcrevo direto do texto traduzido para o português)
Puro egoísmo - Desejo de parecer inteligente, ser falado, ser recordado após a morte e de te vingar dos mais crescidos que te ignoravam na infância;
Entusiasmo estético - Percepção da beleza no mundo exterior, ou, por outro lado, nas palavras e no seu ajustamento correto. Prazer no impacto de um som num outro, na firmeza de boa prosa ou no ritmo de uma boa história. Desejo de partilhar uma experiência que sentimos ser valiosa e que não deve ser perdida;
Impulso histórico - Desejo de ver as coisas tal como elas são, descobrir os fatos verdadeiros e guardá-los para a posteridade;
Propósito político - usando a palavra “político” no sentido mais vasto. Desejo de puxar o mundo numa dada direção, alterar as ideias das outras pessoas para o gênero de sociedade por que devem afinal lutar. Uma vez mais, nenhum livro é genuinamente livre de inclinação política. A opinião de que a arte não deve ter nada a ver com a política é, em si mesma, uma atitude política.
Sabemos, hoje, qual fio que o autor puxou.
E você que escreve, qual é o fio que você puxa?
Orwell e seu filho, Richard
ALGUMA REFLEXÃO SOBRE TUDO (e outras)
Li um texto do Paulo Henrique Brito, professor, tradutor e escritor brasileiro, na Remate de Males, uma publicação semestral do Departamento de Teoria Literária da Unicamp. O título do texto, adivinha? Por que escrevo.
Inicialmente por meio de negações, o autor vai descrevendo os motivos pelos quais não escreve: por dinheiro, mesmo que a tradução lhe traga algum; por necessidade de expressão, que ele julga como “necessidade de construção de alguma personalidade” e para ajudar a transformar o mundo, mesmo admirando quem se presta à tarefa engenhosa.
O que o leva realmente a escrever é: a força do hábito, porque escrever o faz ser quem ele é, faz parte de sua autoimagem e, acima de tudo, escreve porque lhe dá um imenso prazer. Se apenas essas duas condições lhe derem dinheiro, muito que bem. Gosto das conclusões do Paulo!
Ah, pra fechar esse tema, nesta mesma revista encontrei outro texto, o da Angela Melim, poeta e tradutora gaúcha, sobre a atividade de escrita. Transcrevo abaixo:
“Penso que, quando escrevo, investigo e se, como um cientista – um astrônomo do espaço profundo, um geólogo, um gramático – me deparo com um sol, nova estrela ou partícula, quero mostrar o que achei. É como se o meu intuito fosse conhecer e iluminar.”
Neste link há o PDF do texto do Paulo e vários depoimentos de autores sobre a escrita. Vale!
UMA OLHADA PELO CIBERESPAÇO
Gosto bastante da Tayná Saez, do Sutilezas Atômicas. Ela fala sobre escrita, como escrever mais e melhor, como ter inspiração e etc., Dias atrás ela fez um storie sobre um aspecto interessante que, muitas vezes, não consideramos: deslocar-se. É um exercício sair do nosso próprio corpo, do nosso olhar, buscar meios para se ver de fora, de longe, de perto, com outra ótica, observar, descrever o caminho, se ver como outro, observar de cima, abrir uma janela. Muitas coisas podem ser objetos da nossa atenção. Aqui, deixo um exercício proposto por ela. 😉
A Jout Jout é tão fantástica! Gostei demais deste vídeo sobre o silêncio.
Falando em silêncio, você viu o filme Sound of Metal? Não? E o que está esperando? Filme lindão, sobre um baterista que perde a audição e lida com a nova condição de surdo. Atuação impecável do Riz Ahmed. O silêncio é sempre melhor.
- Não conhecia o Edimilson de Almeida Pereira, poeta de Juiz de Fora. Vendo esta entrevista de lançamento de três livros dele pelas editoras Relicário, Macondo e Nós, entrevista que conta com Itamar Vieira Junior (aliás, que livro o Torto Arado, hein? falei dele aqui), fiquei encantada com o cara. Que sensibilidade! Deixo aqui um link pra Revista Suplemento Pernambuco com dois poemas do Edimilson. ♥
- Mudando de pato pra ganso. Aqui é assim, um pouco de droga, um pouco de salada! Concordo em parte com esta matéria. Deixo aqui pra refletir: BBB é a alienação que a gente precisa neste momento? Talvez sim. (vi na news Margem).
- Pra desopilar mais ainda, algo beeeem aleatório. Gosto muito ficar vendo, às vezes por minutos. Quem sabe você também gosta?
Míni receitinhas de míni cozinhas fofas - Fico pensando que pessoa calma pra fazer essas receitinhas.
Na mesma ideia de pessoas calmas demais pro meu gosto.
Eu falei que gosto de baleia, né?
- Uma banda para chamar de nova queridinha: Fontaines D.C, de Dublin, pós-punk – não sou muito boa em definir os gêneros. O que eu sei é que pra quem curte uma guitarra, é isso aqui.
Keanu Reeves te pedindo pra dar uma olhada nisso
UM REGISTRO ALEATÓRIO, UM COMENTÁRIO QUALQUER
~ uma foto do encontro do Leia Mulheres SP. para lembrar que tá dando saudade de sair por aí e ver pessoas... ~
Ei, gostou do que leu? Não?
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Até a próxima, cuidem-se,
Fer
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